Mesmo sendo mais do que patente a triste realidade do cenário
nacional, em que os mandatos eletivos são conquistados pela força
poderosa dos recursos financeiros, alimentados pelos recursos que
escorrem dos cofres públicos, por força das garantias constitucionais,
não se pode julgar procedente nenhum pedido de cassação de registro ou
perda de mandato, em termos práticos, sem que se tenha um mínimo de
prova de qualquer tipo de abuso de poder em seu sentido mais amplo
possível.
Ou seja, todas as espécies de ações existentes em nosso ordenamento
jurídico e que podem inclusive serem intentadas cumulativamente a partir
do mesmo fato - mesmo se tendo a certeza de que muito do que se comenta
no meio do próprio povo realmente acontece – tem que vir embasadas em
provas, logo para que haja uma mudança no resultado formal das eleições,
não basta a remissão genérica a essa realidade, pois o Juiz nunca pode
impor os seus valores pessoais para fundamentar suas decisões.
A realidade aqui noticiada é inclusive objeto de pesquisa científica
de um colega juiz em livro recente intitulado “O nobre Deputado”, citado
em nota de rodapé, precisa para surtir efeito dentro de um processo
judicial de provas e isso também não pode ser olvidado.
Exemplifico: sinceramente, nunca tive dúvidas a partir de nossa
experiência judicante e até mesmo de vida - que mesmo tendo me esforçado
junto com minhas equipes de trabalho ao longo desses anos de atuação
eleitoral, em especial nos últimos dias dos pleitos, que não houvesse
compra de votos, inclusive de forma mais evidente - como é de
conhecimento – sei que houve utilização de dinheiro e outros recursos
espúrios para fazer com que o eleitor votasse por algum interesse
particular, todavia, somente se pode atribuir alguma consequência a
esses fatos que para mim, pessoalmente, acontecem de forma muito
evidente, se houver alguma prova, mesmo que mínima. Na boca do povo como
se diz a compra foi rasgada, inclusive de ambos os lados de quase todas
as cidades que trabalhamos, contudo o que não está nos autos
devidamente comprovado, infelizmente não tem serventia para imposição de
qualquer responsabilidade, por mais que subjetivamente possamos
depreender que seja verdade.
Segundo: sei também que os que detêm o poder político e
administrativo de alguma forma se utilizam da estrutura pública para
beneficiá-los eleitoralmente falando e por mais que se queira negar tal
situação, infelizmente isso é outra prática ocorrente dentro do processo
eleitoral e que somente uma visão real e firme dessa situação poderá no
futuro minimizar esse uso indevido do dinheiro público. Acredito que
nem mesmo o financiamento público das campanhas, por si só, será
suficiente para resolvê-lo, daí porque somente a conscientização do
eleitor e a atuação concreta do Judiciário quando da comprovação de tais
práticas poderá verdadeiramente mudar essa situação, logo em se
comprovando, por meio lícito e através do devido processo legal numa
ótica substancial, mesmo que de forma mínima, a ocorrência desse tipo de
abuso de poder, talvez um dos piores, deve a Justiça ser firme,
retirando inclusive o mandato dado pelo povo de forma ilegítima,
independentemente das críticas que as autoridades pessoalmente possam
vir a sofrer e isso é natural, principalmente daqueles que de alguma
forma dependem diretamente dos que forem retirados do poder.
Terceiro: os partidos e coligações políticas infelizmente são
utilizados com fins meramente eleitoreiros, ou seja, suas estruturas
formais e jurídicas, na maioria dos casos, só servem para assegurar ou
manter privilégios pessoais de alguns de seus integrantes, sem que haja
qualquer interesse realmente partidário e com isso os abusos de poder
ficam mais fáceis de serem praticados, já que a falta de uma ideologia
partidária na acepção da palavra faz com que haja todo tipo de
acomodação e muitas vezes, através dessas entidades, é que se comete
muitas das ilegalidades que viciam o processo eleitoral e tal fato não
deve ser também olvidado em nenhum dos julgamentos a serem feitos pela
Justiça Eleitoral.
Quarto e último: dentro da limitação do objetivo desse primeiro
ensaio, que de propósito serve como introdução aos casos que iremos
expor nos demais ensaios e que todos foram reais, referimo-nos à questão
também indiscutível do abuso que existe dos políticos que detém Brasil
afora a propriedade dos meios de comunicação oficiais e oficiosos,
utilizando-os de forma categórica para eleger a si e seus familiares,
bem assim parceiros políticos, promovendo uma extremada desigualdade de
oportunidades no que tange aos demais candidatos, principalmente os
menos abastecidos, que na maioria das vezes só tem direito ao tempo
previsto na legislação eleitoral junto às rádios e televisão, quando
tais políticos passam o tempo inteiro promovendo as suas candidaturas,
de forma travestida, por óbvio, mas que ao final cometem ilicitude,
também passível a perda do registro, diploma ou até mesmo mandato, enfim
serem decretadas as suas inelegibilidades por tal abuso de poder dos
meios de comunicação em geral.
Ao longo de todo o processo eleitoral, em especial na véspera do
início das propagandas sempre chamamos atenção a esse fato, em que mesmo
sem se referir a nenhum caso concreto, as oligarquias acabam se
mantendo no poder justamente por força do abuso dos meios de comunicação
que são proprietários. Não tenho qualquer receio em afirmar que em todo
o Brasil tais meios são de propriedade de políticos que há muito tempo
se perpetuam no poder, até mesmo porque hoje um dos maiores bens é
justamente a informação repassada pela comunicação. O cidadão que sabe
utilizar as informações e trabalhá-las na mídia, sem sombra de dúvidas,
levará vantagens em relação aos demais que não tem esse mesmo acesso.
Nessa linha de raciocínio, pensamos que todos os fatos e teses
jurídicas expostas em todos os processos eleitorais nunca devem se
distanciar da realidade aqui descrita, sopesando em cada caso as provas
existentes com relação a todos os feitos, e em se comprovando a
ocorrência de qualquer situação que se enquadre legalmente como ilícita,
deve se aplicar a vontade da Constituição e das leis constitucionais,
sem qualquer tipo de preocupação, com todo respeito à suposta vontade
popular, que nesses casos estará viciada, e mais qualquer decisão que
venha a ser dada desagradará uma das partes, contudo os representantes
da Justiça Eleitoral não precisam agradar ninguém, pelo contrário, na
maioria das vezes, o cumprimento dos atos normativos no sentido lato
sempre é desagradável para a maioria. Logo, a função judicial eleitoral é
fazer valer tais atos, que constitucionalmente representam na essência a
vontade do povo.
*HERVAL SAMPAIO JUNIOR é Mestre em Direito
Constitucional, Juiz de Direito e Juiz Eleitoral no Estado do Rio Grande
do Norte e escritor renomado nacionalmente, com obras publicadas em
diversas áreas do direito, inclusive direito eleitoral
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