Falando sério. Tiririca começa a dizer a que veio. Depois de uma enxurrada de quase 1,5 milhão de votos com uma campanha cheia de ironias e brincadeiras pesadas com os políticos e de ser detonado por tudo que é crítica séria e preconceitos os mais rasos "da zelite", eis que o nosso Tiririca apresenta dois projetos sérios na Câmara Federal. O primeiro é para garantir uma "Bolsa-Alfabetização" de R$ 540,00, ou seja, um salário mínimo para o adulto analfabeto se dedicar à sua própria alfabetização.
O país pode até não poder pagar uma bolsa nesse valor a tantos analfabetos, mas o projeto de Tiririca é corretíssimo. Há de convir que é quase impossível um trabalhador se alfabetizar com uma carga terrível de trabalho na enxada, no carro de mão ou catando lixo durante oito a quatorze horas por dia. Tão justo quanto pagar uma bolsa para um mestrando ou doutorando é pagar uma bolsa para um alfabetizando, pois enquanto não resolvermos este grave problema da educação na base não o resolveremos no topo.
O segundo projeto de Tiririca é um sobre o qual falei com várias pessoas e ninguém levou em conta: oficializar o vale-livro através de lei. Nas feiras e bienais de livros existe o "vale-livro", como é chamado em alguns lugares, e "cheque-livro", como se chama no Rio Grande do Norte. Mas não há uma lei. É sempre concedido através de jeitinhos, de gambiarras jurídicas. O projeto de Tiririca é mais que bom, mais que excelente. É fantástico.
O terceiro projeto apresentado anteontem na secretaria da Câmara Federal pelo deputado humorista, homem de circo, nordestino, que teve que provar, através de um teste, que não é analfabeto depois de receber 1,5 milhão de votos, é o de uma bolsa para artistas de circo. Parece coisa simples, mas não é. Quando diretor geral da Fundação José Augusto, reuni representantes de alguns dos 40 circos "tomara-que-não-chova" que temos no Rio Grande do Norte. Em vários momentos tive que me segurar para não ir às lágrimas. Acostumado a conviver com os artistas do repente e do cordel, com mestres e brincantes dos grupos folclóricos que vivem com imensas dificuldades se exercem suas atividades artísticas quase como um sacerdócio, um sacrifício de baixa ou nenhuma remuneração, mas quando me deparei com a realidade do circo vi uma situação humilhante, dolorida, cruel. E saber que aquela gente vive naquela situação de penúria somente pelo amor à arte, somente para fazer os outros felizes, somente para manter uma das mais belas tradições da humanidade, onde pessoas extremamente habilidosas se dedicam à beleza, à graça, em vez de dedicarem suas energias e talentos à violência e à maldade como a maioria dos crânios que a humanidade viu desfilar.
Só faltou a Tiririca apresentar um projeto do qual falei no Conselho Nacional de Políticas Culturais quando lá estive representando os secretários estaduais de Cultura de todo o Brasil. Falo de um projeto que obrigue todas as cidades deste país a deixarem espaços físicos públicos e gratuitos, com acesso a energia e água para armar circos em cada conglomerado humano de até 50 mil habitantes. Por exemplo, uma cidade como Baraúna teria que deixar pelo menos um lugar pronto para receber o circo. Uma cidade como Mossoró teria que garantir pelo menos seis lugares.
Os pequenos circos estão ameaçados de se acabar porque quase não têm mais onde serem armados. Diante da especulação imobiliária, os circos quando encontram um chão é em lugares inadequados.
Estou orgulhoso do deputado Tiririca. Na minha próxima viagem a Brasília (DF) visitarei seu gabinete. Enquanto 164 deputados, com quase seis meses de atividades, ainda não produziram um único projeto de interesse, ele já apresentou três da melhor qualidade. Cabe dizer: melhor um palhaço deputado, que 164 deputados-palhaços... (Fonte: Jornal de Fato).