Uma nova denúncia do
Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte (MPF/RN) revela o
pagamento de propina a integrantes da cúpula do Instituto Nacional de
Metrologia (Inmetro), durante a gestão de Rychardson de Macedo à frente
do Instituto de Pesos e Medidas (Ipem/RN), entre 2007 e 2010. De acordo
com as investigações, dois integrantes da direção do Inmetro recebiam
benefícios e, em troca, permitiam a continuidade do esquema montado no
RN com participação do deputado Gilson Moura e dos advogados Lauro Maia e
Fernando Caldas Filho.
Foram denunciados o
diretor administrativo-financeiro do Inmetro, Antônio Carlos Godinho
Fonseca, e o auditor-chefe do instituto, José Autran Teles Macieira
(afastado do cargo preventivamente, por conta de procedimento
disciplinar da Controladoria Geral da União). De acordo com a denúncia,
as propinas foram pagas por Rychardson de Macedo (que também é réu) para
viabilizar o recebimento de maior quantidade de recursos federais, por
meio de convênio, e evitar consequências desfavoráveis decorrentes das
auditorias.
Além da denúncia, o MPF
apresentou uma ação de improbidade relativa às mesmas irregularidades.
Ambas são assinadas pelo procurador da República Rodrigo Telles e
apontam a prática de corrupção passiva, ativa e enriquecimento ilícito.
Repasses -
De acordo com os convênios assinados pelo Ipem/RN com o Inmetro, o
instituto nacional deveria transferir ao estadual 85% da receita
arrecadada no Rio Grande do Norte com multas e outras taxas pagas por
infratores. No entanto, em razão do acordo entre Rychardson de Macedo e
Antônio Carlos Godinho, o Inmetro acabou transferindo um percentual bem
maior.
Auditorias apontam que,
em 2007, foi repassado ao Ipem/RN mais de 100% do valor arrecadado,
enquanto em 2008 repassou-se 97%. Em 2010, durante os meses da gestão de
Rychardson de Macedo, voltou a ser extrapolado o limite, ultrapassando
os 100%.
Rychardson estabeleceu
relação estreita com Antônio Godinho, ao ponto de tratá-lo pelo apelido
de “Toninho”. Em seu depoimento, o ex-diretor do Ipem explicou: “O Ipem
não tem verba própria, não recebe nada do Estado. (…) Se ele arrecadar
por mês trezentos mil reais, teoricamente era pra descontar 15% do
Inmetro (…). No meu caso não, sempre vinha a mais, porque, tipo assim,
eu me relacionava muito bem com Toninho, que era o financeiro. Ele
sempre mandava a mais.”
Diversas irregularidades
cometidas no âmbito do Ipem/RN foram constatadas pelas auditorias do
Inmetro, contudo a autarquia federal nunca tomou nenhuma providência
efetiva em relação ao “quadro caótico e descontrolado da autarquia
estadual”. Antônio Carlos Godinho não acatou recomendações para efetuar
uma intervenção no Ipem/RN, nem mesmo de promover uma tomada de contas
especial, para apurar responsabilidades.
“Não se tem notícia nem
sequer da exigência por parte do Inmetro de que o Ipem/RN prestasse
contas da aplicação dos recursos recebidos”, ressalta a denúncia do MPF.
Rychardson de Macedo contava com o apoio de Antônio Godinho para
impedir a instauração de tomadas de contas especiais: “Quando às vezes a
auditoria detectava, aí ele entrava em contato com Autran: ‘Autran,
vamos segurar aí’. Porque ele não sabia que eu dava dinheiro a Autran
também.”
Auditorias -
Rychardson de Macedo também estabeleceu vínculo próximo com o
auditor-chefe do Inmetro, José Autran. Em virtude de combinação entre
ambos, a autarquia federal acatava as justificativas apresentadas pelo
Ipem/RN, relativas aos indícios de irregularidades.
O Ministério Público
Federal destaca que, se tais indícios fossem devidamente apurados desde o
início, poderia ter se evitado ou pelo menos inibido as práticas
ilícitas promovidas ao longo da gestão de Rychardson, ou ao menos
reduzido o prejuízo causado aos cofres públicos. “No entanto (…) o
Inmetro, por meio de seu auditor-chefe, permaneceu inerte e foi
complacente”.
Irregularidades no
pagamento de diárias, contratação de “funcionários fantasmas”,
impropriedades em licitação e contratos, além de favorecimento a
empresas, foram constatadas pelas auditorias, mas acabaram não
resultando em providências concretas, por parte do Inmetro. Os auditores
apontaram várias vezes as mesmas irregularidades e recomendaram
reiteradamente a abertura de tomadas de contas especiais, sem que o
auditor-chefe adotasse alguma atitude prática.
“Chegou-se a propor até
mesmo a intervenção do Inmetro no Ipem/RN, de tão caótica que a situação
ficou”, reforça o MPF, complementando: “O auditor-chefe do Inmetro (…)
assistiu a tudo isso passivamente. Suas análises dos relatórios de
auditoria sempre foram favoráveis ao Ipem/RN”. José Autran só determinou
a realização de tomada de contas especial quando Rychardson de Macedo
já havia deixado a direção do instituto no RN.
Propinas
– Em abril de 2008, Rychardson de Macedo adquiriu uma lancha e
“presenteou” Antônio Carlos Godinho. “Chamei ele pra fazer uma visita
aqui em Natal. (…) Aí eu levei ele pros parrachos. Que eu tinha um barco
lá, a gente deu uma volta, ele externou que tinha vontade de ter um
barco. Aí eu disse: ‘Não, vamos ver aí como é que a gente pode fazer,
homem. Veja aí esse pacto que tá tendo do Ipem com o Inmetro, que
arrecada esses quinze por cento. Mande um pouquinho a mais que aí eu vou
procurar um barco aqui pra você e a gente se ajeita’. E assim foi
feito. Eu arranjei um barco, comprei o barco por vinte mil reais, lá na
marina”, relatou o ex-diretor do Ipem.
Rychardson de Macedo
explicou ainda que o diretor do Inmetro costumava vir ao Rio Grande do
Norte no verão: “(…) aqui eu alugava casa ali em Jacumã e ele sempre
vinha, com ele, a namorada dele, uma vez veio com os filhos dele, os
três filhos dele, e aqui eu custeava tudo, alugava carro pra ele, paguei
as passagens dos filhos dele pra vir”.
As passagens para a
namorada e filhos de Antônio Godinho foram adquiridas através do
contrato do Ipem com a empresa Helo Turismo Ltda.. Foram compradas
passagens de ida e volta de Goiânia e Rio de Janeiro, em nome dos filhos
do auditor e de sua namorada. Rychardson declarou ainda ter pago
hospedagem a eles em um hotel da capital, além do aluguel da casa em
Jacumã.
Depósitos
– José Autran exerceu o cargo de auditor-chefe do Inmetro até setembro
deste ano, quando foi afastado preventivamente em procedimento
administrativo disciplinar da Controladoria Geral da União. As buscas
promovidas na Operação Pecado Capital resultaram na descoberta, na casa
de um ex-diretor do Inmetro, de comprovantes de depósito na conta de
José Autran nos valores de R$ 4 mil e R$ 3 mil, datados de abril e maio
de 2006, anteriores à gestão de Rychardson.
A “fama” do
auditor-chefe do Inmetro chegou a Rychardson de Macedo: “Eu ouvi falar
que a gestão anterior pagava a José Autran, justamente pra poder
resolver o resultado da auditoria. Não só na gestão anterior, como nas
reuniões das redes. O que é a reunião das redes? Com todos os diretores…
se comentava que grande parte pagava a ele, quando as auditorias iam. E
aconteceu comigo. (…).”
Sobre o primeiro contato
com o auditor-chefe, o ex-diretor do Ipem afirmou: “Ele disse: ‘Traga
uns dez mil aí que eu ajeito aqui o relatório’. Aí eu disse: ‘Tá bom’.
Aí como eu tinha a conta que Aécio tinha dele anterior, que Aécio me
mostrou, disse: ‘Esse Autran é um bandido, recebe…’. Eu disse: ‘Me dê a
conta aí. Eu vou meter pelo menos uns cinco mil aqui pra ele ficar na
minha mão’.”
Quando ocorriam as
auditorias, Rychardson era notificado e ia entregar em mãos a resposta
sobre os questionamentos, aproveitando para realizar o pagamento da
propina. “(…) ele cobrava uns sete, oito mil. Eu dava uma média que eu
já tinha uma noção de quanto os outros davam”.
A quebra do sigilo
bancário de Autran permitiu identificar depósitos que, no entender do
MPF, são frutos de propinas. “Observa-se que o auditor-chefe do Inmetro
(…) de fato recebeu vantagens pecuniárias para ser conivente com o
esquema de desvio de recursos públicos do IPEM/RN. Ele foi favorecido
com depósitos em dinheiro em conta bancária em março de 2008 e com
várias entregas de dinheiro em espécie nos meses subsequentes do ano de
2008 e no ano de 2009.”
Prejuízo
– O dano total aos cofres públicos, em decorrência das irregularidades,
foi estimado em R$ 10.501.238,62, em valores não atualizados. Os
envolvidos responderão por corrupção ativa e passiva, além de repartirem
o ressarcimento dos danos. Em decorrência do acordo de colaboração
premiada, o MPF requer o perdão judicial para Rychardson de Macedo.
A denúncia e a ação de
improbidade tramitam na Justiça Federal sob os números
0003748-93.2014.4.05.8400 e 0805863-54.2014.4.05.8400, respectivamente.
MPF-RN