Quem sente dores no estômago costuma correr para o médico, mas quem enfrenta dificuldades sexuais raramente age com a mesma urgência em busca de ajuda. Ao fazer a visita periódica ao ginecologista, boa parte das mulheres esquece de comentar que a vagina não está se lubrificando adequadamente na fase de excitação e que os orgasmos estão cada vez mais raros. Da mesma forma, homens com dificuldade de ereção ou com ejaculação precoce demoram muito para enfrentar o problema. “Grande parte deles espera entre três e cinco anos para consultar um urologista, tempo mais que suficiente para que um relacionamento acabe”, diz o terapeuta sexual Celso Marzano, de São Paulo.
Ainda que o conhecimento geral sobre sexo tenha aumentado nas últimas décadas – especialmente entre os jovens, que passaram a ter acesso a um grande volume de informações na escola, pela TV ou via internet –, o tema continua sendo tabu para muita gente, uma herança de décadas de repressão e preconceito. A dimensão real do erotismo humano foi tão menosprezada ao longo da história que o sexo passou a ser tratado como algo doentio, quando é exatamente o oposto: é uma fonte de prazer e de saúde. Estudos científicos já identificaram vários benefícios para quem pratica o sexo regularmente:
Melhora da atividade cardíaca
Acredita-se que os hormônios liberados durante o ato sexual, como a testosterona, ajudem a proteger o coração.
Aumento da resistência à dor
Durante o clímax feminino são ativados os centros analgésicos do cérebro médio, que ordenam a liberação corporal de endorfinas e corticóides, capazes de atenuar dores de cabeça e na coluna ou as provocadas por artrite.
Fortalecimento do sistema imunológico
A atividade sexual regular contribui para a produção de certos anticorpos e imunoglobinas que ajudam a combater as infecções.
Efeito antidepressivo
Pessoas satisfeitas com a vida sexual são menos vulneráveis a sofrer depressão, tanto por razões psicológicas quanto químicas.
Perda de peso
O ato sexual é um exercício anaeróbio que consome 200 calorias, a mesma quantidade que se queima em meia hora de academia.
Por mais que o sexo contribua para aumentar a expectativa de vida, a maior parte das pessoas nunca associou sua prática à manutenção da saúde, como se faz em relação aos exercícios em academia ou aos cuidados com a alimentação e o sono. Hoje já é consenso, no entanto, que sexo e qualidade de vida andam juntos, tanto que a divisão de saúde mental da Organização Mundial de Saúde (OMS) passou a considerar o exercício da sexualidade como um parâmetro para medir a qualidade de vida.
Apesar de todas as possíveis causas psicológicas para os problemas sexuais – que incluem depressão, estresse, experiências anteriores frustrantes e excesso de pressão no trabalho –, os especialistas estão cada vez mais atentos ao fato de que razões físicas também são freqüentemente responsáveis pela queda de desempenho entre as quatro paredes. As alterações percebidas podem ser indícios de problemas de saúde, como complicações cardiovasculares e disfunções no sistema nervoso, endócrino ou circulatório, além de infecções genitais, intervenções cirúrgicas e defeitos congênitos do aparelho reprodutor. Há, por exemplo, a relação comprovada entre disfunção erétil e algumas doenças: 46% dos diabéticos e 33% dos hipertensos têm dificuldade para manter a ereção.
Entre os motivos que fazem com que os males do amor não cheguem aos consultórios dos especialistas com a freqüência necessária se incluem medo, pudor, vergonha e desinformação. Uma pesquisa do Projeto Sexualidade, da Universidade de São Paulo (USP), revelou que apenas 5% das mulheres e 7% dos homens com dificuldades sexuais fazem tratamento. Ela mostrou também que o maior receio dos brasileiros em relação a sexo é não satisfazer o parceiro – alternativa apontada por 56% dos homens e 45% das mulheres, um índice superior ao medo de adquirir doenças sexualmente transmissíveis. “As pessoas ficam tão preocupadas em ter um bom desempenho sexual que acabam deixando o próprio prazer de lado”, diz a coordenadora da pesquisa, a psiquiatra Carmita Abdo.
Os homens parecem ser mais suscetíveis a essa preocupação: 37% deles têm medo da ejaculação precoce, mas só 19% das mulheres citaram o temor de que isso ocorra durante a relação; e 31% dos homens assinalaram a perda de ereção, um item apontado por apenas 4% das mulheres (leia mais na pág. 64). Nos consultórios, muitos homens dizem se sentir pressionados pela postura cada vez mais crítica das mulheres quando o assunto é sexo. “A superficialidade das relações é um fator que tem atrapalhado a performance sexual”, diz Marzano. “Está faltando o jogo da sedução que prepara para o ato sexual. É preciso sentir o desejo fluir pelo corpo, obter uma excitação que não fique restrita à área genital.”
Os mecanismos do desejo
Tanto no homem quanto na mulher, o desejo é instigado por estímulos no cérebro que podem ser acionados por diferentes gatilhos, desde os mais sutis, como pensamentos e carícias, até os mais explícitos, como um vídeo pornô. Esses estímulos agem em uma região do cérebro chamada diencéfalo, que, ao mesmo tempo em que inicia o processo de interesse e excitação por intermédio do hipotálamo, convoca o sistema límbico para inibir os impulsos sexuais quando não forem convenientes.
Esses mecanismos são, no entanto, apenas a parcela animal e instintiva da sexualidade humana. Quando os estímulos gerados no circuito neurológico arcaico passam ao córtex cerebral, são influenciados por emoções, fantasias, desejos, ritos, medos, censuras, tabus, costumes e condutas aprendidas e impostas ao longo da vida. Os sinais voluptuosos gerados no cérebro viajam então pela medula espinhal para orquestrar uma verdadeira sinfonia erótica. Os hormônios sexuais e um conjunto de neurotransmissores libidinosos acompanham os estímulos elétricos que estão na origem da atração erótica.
Não há dúvida de que o sexo muitas vezes é bloqueado diretamente na fonte – ou seja, no cérebro. Determinadas situações relacionadas a experiências do passado podem se integrar à personalidade do indivíduo e influenciar, a médio e longo prazo, a deterioração de sua vida amorosa. Muitos dos problemas do gênero decorrem da falta de educação sexual, tanto dentro de casa como nas escolas, uma situação que contribuiu e ainda contribui para a difusão de mitos perniciosos, como o de que a masturbação é prejudicial (provoca espinhas, emagrece ou até enlouquece), que o tamanho do pênis é decisivo para o grau de prazer na relação, que a mulher nunca deve tomar a iniciativa na paquera e que os homens são infiéis por natureza.
Fonte: Revista Super Interessante