segunda-feira, 23 de maio de 2011

A VITÓRIA DO CINISMO


A VITÓRIA DO CINISMO OU DE COMO SAGUIS, CAMUNDONGOS E SERVIÇAIS VENCERAM A RAZÃO ÉTICA


Caros professores e professoras,
         Ainda transtornado, mas não surpreso com os lamentáveis e repudiáveis fatos ocorridos na última Plenária Departamental (16/05/2011), resolvi externar e tornar pública minha indignação com a postura, se é que se pode chamar aquilo de postura, de alguns professores do Departamento de Educação (DE).
         Penso que, discordâncias e pontos de vistas diferentes, quando referenciados por princípios éticos e desinteresse pessoal devem ser encarados com naturalidade, tolerância e respeito mútuo. Todavia, quando certos sujeitos, que muitas vezes posam de arautos da moralidade e da qualidade, pautam seus posicionamentos e suas opiniões baseados no servilismo e no clientelismo, como foi o caso de alguns professores de nosso departamento na plenária referida, estes devem ser vigorosamente desmascarados, combatidos e denunciados. 
         A esta altura os colegas que participaram desta plenária já estão sabendo do que estamos nos reportando. Os debates em torno da solicitação de relotação do “professor de Medicina” evidenciaram em algumas falas e comportamentos, práticas fossilizadas e comuns na UERN de servilismo e clientelismo. Afirmo isto sem nenhum receio de me precipitar, afinal sou professor e sujeito da história desta instituição desde 1995. Desde que ingressei na UERN já tive o desprazer de conviver e presenciar com toda qualidade de prática política e pessoal, desde a mais nobre à mais repugnável, conheço bem os meus pares. Os sujeitos destas práticas têm nomes, afinal não são “assexuados”.
         Mas, vamos direto à contenda. Os defensores da relotação centraram suas falas em torno de três eixos: o primeiro, de ordem técnica: “o professor tem formação pedagógica suficiente para ser relotado no Departamento de Educação”; o segundo, de ordem política: “vocês já relotaram professores só porque eram seus aliados”; o terceiro, de ordem cínica: “o Departamento de Educação nunca estabeleceu critérios formais para relotação, por que só com este professor os critérios apareceram? Vamos relotar o professor e depois formarmos uma comissão para definir critérios”.
         Sobre o primeiro eixo, não preciso perder meu precioso tempo em analisá-lo, primeiro porque os debates ocorridos na plenária em torno da questão não deixaram dúvidas sobre a impertinência da relotação; segundo, mesmo que alguém tenha alguma dúvida, por má fé ou por sinceridade, que acesse o currículo lattes do professor solicitante, verifique sua formação acadêmica e sua produção científica, e em seguida relacione-os com as áreas temáticas do Curso de Pedagogia para verificar se existe algum nexo com nosso curso.
         O segundo eixo, pretensamente de ordem “política”, política no sentido de meio para atingir qualquer fim, e não no sentido de política enquanto prática da busca pela liberdade (Hannah Arendt), afirma “vocês já relotaram professores só porque eram seus aliados”. Sinceramente essa falsa e “esperta” acusação não me atinge. Durante todo este período em que estou como docente da UERN, verifiquei e presenciei que para todas as relotações solicitadas foram eleitas comissões com o objetivo de analisá-las, e todas foram votadas favoravelmente de forma unânime, sem dissenso ou sem grandes embates. Podemos inferir, que isto significa que os pareceres das comissões foram justos, coerentes e pertinentes com a matéria. Portanto, essa acusação não se sustenta, tendo em vista que todos os matizes políticos e ideológicos atuantes no DE concordaram com os critérios das relotações solicitadas.
         Por fim, o eixo de ordem cínica: “o Departamento de Educação nunca estabeleceu critérios formais para relotação, por que só com este professor os critérios apareceram? Vamos relotar o professor e depois formamos uma comissão para definir critérios”. Relembrando o que afirmei no parágrafo anterior: para todas as solicitações de relotação foram formadas comissões para estudar e elaborar um parecer, e estes pareceres foram apreciados e votados em plenária, sem dissenso, é preciso reter. Esses pareceres analisados verificaram sobretudo, a formação acadêmica do solicitante e a temática de sua respectiva produção científica, sempre relacionanando-as com as áreas de estudos do Curso de Pedagogia. Os critérios podem não existirem formalmente, acho até que nem precisa, mas existem na prática cotidiana do DE. Aqui cabe uma pergunta: na casa de vocês existe algum tipo de estatuto ou de regimento formal que orienta o comportamento dos filhos de vocês? Creio que não. No entanto, pelo fato de não existirem regras formais, vocês orientam seus filhos a roubar? A matar? A estuprar? A ser antiéticos? A ser corruptos? Creio que não. Sabem por quê? Porque são princípios de comportamento e convivência humana, e princípios são inegociáveis. Mas, diriam alguns, o Departamento de Educação não é nossa casa, então tudo pode.
         Na verdade meus caros colegas, nesses pseudos argumentos nem vocês acreditam. Porque, da votação “arrecadada”, dos 18 votos dados à proposta vitoriosa, talvez três ou quatro tenham sido dados de forma desinteressada, os outros foram definidos muito antes da plenária ter início. Foi escandalosa a constatação de que vários professores só compareceram ao recinto para votar no ponto específico da pauta. Após a definição da relotação, estes professores deixaram o recinto em massa e os outros pontos de pauta que diziam respeito à qualidade do curso de pedagogia ficaram prejudicados, sendo discutidos por “meia dúzia” de docentes que têm princípios. Ressalto um caso cômico e trágico ao mesmo tempo ocorrido na reunião: uma professora, logo no início da discussão se inscreveu para manifestar seu posicionamento contrário à relotação, mas logo em seguida recebeu um telefonema de um de seus chefes-inquisidores dando-lhe uma “chave de roda”, a partir daí, ela não só mobilizou discurso para defender a relotação como também votou na solicitação. Aqui abro um parêntese para prestar um grande serviço aos desavisados e aos inocentes úteis, explicando como é que funciona tal expediente: durante a reunião, algum serviçal ou informante é destacado para deixar o celular ligado, do outro lado da linha um “assessor” externo acompanha todo o desenrolar das discussões. Dependendo dos encaminhamentos não haverá orientação externa, mas caso o processo da reunião não esteja de acordo com o planejado, ou combinado, o telefone de algum “laranja” toca na reunião, o mesmo sai do recinto e recebe as devidas informações necessárias para o reordenamento do planejado. Isto não é teoria da conspiração, é empiria pura. Já cheguei a constatar tal procedimento em reuniões na ADUERN (não é da ADUERN é na ADUERN, não confundir) e imediatamente determinei que, “de agora em diante quem receber telefonema durante as reuniões pode procurar o caminho de casa, pois não deverá voltar mais para continuar na reunião”.
         Finalmente, o que motivou estes professores a votar neste pleito indefensável? Duas palavras-chave: clientelismo e servilismo. O segundo conceito é decorrente do primeiro. Creio que ninguém é serviçal por natureza, porque ele não é congênito, diria até que em alguns casos o servilismo pode ser de ordem cultural, não para este caso. Porque aqui tudo foi planejado de forma racional. Quando da reunião do departamento que deliberou sobre os nomes dos professores que deveriam se debruçar sobre os documentos do processo de relotação, imediatamente eu comentei com alguns colegas que as duas professoras que fariam parte da comissão já estavam com seus votos comprometidos, e não mudariam seus votos por hipótese nenhuma, inclusive afirmei para uma delas. Diante desta constatação, orientado por critérios estritamente acadêmicos elaborei meu próprio parecer.
Como se manifesta o clientelismo na UERN?[1] Primeiro apresento meu conceito de clientelismo: “é o patrocínio de interesses privados e o tráfico de influências, para favorecer correligionários e consolidar laços de fidelidade. Onde sua especificidade caracteriza-se por um sistema de lealdades, que se estrutura em torno da distribuição de recompensas materiais e simbólicas, em troca de apoio político[2]. Esse agrupamento plural e integrativo é formado por professores, alunos e funcionários, a nível interno, em nível externo por policiais clandestinos, empresários, entre outros. Eles formam redes de trocas organizadas com capacidade de longa duração. Se faz necessário reter, que na grande maioria dos casos, professores, alunos e funcionários não têm consciência que estão fazendo parte de algum esquema organizado. Eu mesmo já pratiquei atitude, mesmo que tal atitude fosse guiada por interesses públicos, que atendiam a interesses de grupos organizados estranhos à UERN. Também é preciso reter, que muitos desses sujeitos têm certeza que estão trocando votos por algum tipo de interesse, seja de ordem afetiva, simbólica ou material.
A cooptação é realizada através de três grandes diretrizes: de ordem afetiva, material ou através da violência. Não sei como está o quadro nos dias de hoje, mas antes do grande concurso que ocorreu recentemente para funcionários, é público e notório que aproximadamente 300 professores tinham parentes com contratos provisórios na UERN. Uma boa parcela de professores que tem cargo comissionado em nossa instituição, indiscriminadamente são fiéis às orientações demandadas de líderes grupais. Não estou afirmando que todos foram cooptados pelo simples fato de ocuparem tais cargos, afinal defendo a estratégia gramsciana de “guerra de posição” através da ocupação de espaços. Quando o “favor” não é direto, vai pela via indireta: a um pai, a uma mãe, a um irmão, a uma amante, a um bofe (não estou exagerando, é real), inclusive com empregos fora da UERN, seja em instituição pública (afinal a maioria dos concursos não são isentos) ou privada.
Alguns colegas, que são “obrigados” a retribuir os favores que recebem, muitas vezes se acometem de crises existenciais, ou de complexo de culpa. A estes eu oriento que mirem-se no exemplo de nosso conterrâneo Djalma Marinho, que mesmo sendo Deputado Federal pela ARENA, partido oficial do regime militar no pós-1964, quando presidia a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, ao ser inquirido pelos generais golpistas, “donos do poder”, para conceder licença para que o Deputado Federal Márcio Moreira Alves do Rio de Janeiro fosse processado pelo Supremo Tribunal Federal, assim respondeu aos generais: “ao rei tudo, menos a honra”[3].
EM TEMP0: os escritos no antepenúltimo e penúltimo parágrafos não tiveram a pretensão de esgotar o problema do clientelismo em nossa instituição, apenas dei continuidade ao núcleo duro de meu raciocínio neste texto. Mas, aproveito o ensejo para sugerir que alguém se disponha a discutir, em nível de especialização, mestrado ou doutorado, o clientelismo na UERN. Quem assumir poderá contribuir para uma possível autocrítica dos atores envolvidos nestes esquemas.
Prof. Carlos Alberto Nascimento de Andrade
Departamento de Educação
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN


[1] Tendo em vista que não sou mossoroense de nascimento, e até como forma de “salvar minha pele”, uma vez que esse debate pode suscitar xenofobismo, ressalto que esse tipo de clientelismo ocorre em todas as instituições brasileiras. Não tenho nenhuma dúvida em fazer tal afirmação.
[2] DINIZ, Eli. Clientelismo urbano. Ressuscitando um antigo fantasma? In: Novos Estudos CEBRAP, v. a, n. 4. p. 22-23. São Paulo: nov./1982.
[3] VEJAM PARTE DO DISCURSO: “Na minha sofrida vida pública, como representante de um pequeno estado, tenho mantido fidelidade à ordem democrática. Ao longo do tempo, mesmo na minha humildade, a ela ofereci a minha vassalagem, mas nunca o atendimento a exigências e concessões absurdas, como esta. Passada a tormenta e esclarecidos os homens, virá o tempo da reconstrução. Rejeitar este pedido é um ato de bravura moral, igual àquele oferecido por Pedro Calderón de La Barca: ‘Ao rei tudo, menos a honra’”.